SOS Gestão de Crise

Photo by Luis Villasmil on Unsplash


 Desde 2015, mais ou menos, eu ouço falar em crise no Brasil e no mundo. Parece que a palavra se popularizou, cresceu e desenvolveu vida própria; tanto que saiu das telas dos jornais e de meras palavras nas notícias e fez parte do dia a dia. No começo sinto que eu pensava em crise como algo muito mais distante, mas hoje a crise está nas nossas portas, em casa, enfim tomou vida e hoje é parte da sociedade e realidade de muitas pessoas. 

O ramo no qual a palavra crise se popularizou e virou praticamente uma entidade foi o dos empregos (ou da falta deles). Como se não bastasse a crise financeira, hoje vivemos também uma pandemia (o tal evento histórico marcando história nas nossas vidas de desesperança e desespero). Para quem está na busca por um emprego há alguns anos sabe bem que quanto mais passa o tempo, mais a coisa parece ficar pior. 

Procurar emprego em 2020 é humilhante! Antes disso também vinha sendo, mas me dei conta do tanto de coisa errada, abusiva, humilhante e degradante só agora (minha fixa demorou para cair). Pretendo fazer uma discussão aqui sobre a busca por emprego e a humilhação que os candidatos são submetidos para, na maioria das vezes, nem ao menos serem contratados.

Já tem um bom tempo que acompanho a página Vagas Arrombadas, que printa os anúncios mais absurdos de "vagas de emprego", coloco entre aspas pois ao meu ver aquilo não passa de uma 'oportunidade' de ser humilhado a troco de migalhas que os anunciantes das vagas ousam chamar de salário. Percebi que o discurso dos "recrutadores", que muitas vezes são os donos do próprio negócio, costumam ter um linha bem parecida. A máxima que impera é o bom e velho "quem precisa não fica escolhendo". O que sustenta todo esse discurso é a tal da crise, já mencionada no começo desse texto. A crise moldou a nossa forma de vida em todos os sentidos, incluindo o pensamento de que quem precisa de emprego deve se sujeitar a qualquer coisa e a qualquer salário. Dignidade é um porém muito grande nisso tudo, a humilhação constante, de todos os lados é requisito básico: está disposto a ser humilhado? Não? Então você não está realmente necessitando de um emprego. Próximo.

Conversei com algumas pessoas que me relataram algumas situações das quais já foram vítimas quando estavam procurando um emprego. Coincidentemente, os relatos vão muito de encontro aos "requisitos" e "exigências" de muitas vagas que tenho visto na internet. Outra coisa que tenho percebido também é que as entrevistas (individuais, candidato-pessoa do RH da empresa) praticamente desapareceram para ceder lugar aos processos seletivos. Se você não é da área de Recursos Humanos nem está procurando emprego nesses últimos tempos, talvez você não saiba a diferença. Muitas empresas quando selecionam o currículo de algum candidato o chamam para uma entrevista de emprego, porém, ao chegar lá, o candidato é surpreendido com mais uma porrada de gente. A partir daí, começa uma série de testes e etapas eliminatórias, dinâmica em grupo (onde o entrevistador pergunta coisas pessoais sobre tudo na sua vida de forma inclusive invasiva numa sala com mais um punhado de gente), em alguns casos, os recrutadores pedem para desenhar algum produto que você tenha acabado de inventar e tentar vendê-lo, contar suas experiências, se estuda, com quem mora, enfim várias etapas que, se você for averiguar olhando a grade de disciplinas curricular de algum curso de RH constaria algo como ética e o que NÃO perguntar ou fazer estaria descrito tudo o que acontece atualmente nas entrevistas.

  • Fui a um processo seletivo, cheguei com uma hora de antecedência (estava marcado para o meio dia) e já tinha uma fila enorme que só foi aumentando. Ficamos no sol a tarde toda, não podíamos usar o banheiro nem beber água. No final da tarde começou a chover e continuamos lá na fila quase ninguém foi embora. A entrevista não demorou quase nada e o entrevistador ficou implicando comigo falando mal do que eu tinha inventado para tentar vender [fazia parte do teste inventar um produto que não existia e tentar vender esse produto para os entrevistadores]. Perguntaram de tudo para a gente, até com quem a gente morava, se tinha algum sonho e qual. No fim deixaram a gente esperando numa sala para depois dispensar dizendo que não tínhamos passado no teste. Saí de lá quase sete da noite e cheguei em casa oito e alguma coisa. Foi horrível, tive até dor de cabeça de tanto ficar no sol e sem comer o dia todo.
[Depoimento de um candidato a uma vaga de emprego em Call Center em São Paulo]

Vale o pensamento: se o processo seletivo é assim imagina o dia a dia de trabalho nessa empresa? Se tem uma coisa que eu aprendi tanto observando quanto tendo experiências na própria pele é que a empresa que não respeita o candidato, possível futuro funcionário, tampouco respeita e/ou oferece condições dignas de trabalho para os trabalhadores. Aliás, cabe aqui um adendo sobre as novas formas de chamar os funcionários. Muitas empresas estão optando por "colaboradores" numa tentativa de deixar o termo mais bem visto. Porém o que nós, trabalhadores, sabemos é que não adianta optar por um termo bonitinho e na prática não garantir nem mesmo as condições básicas de trabalho que são direitos dos funcionários. 

Ainda há muita coisa errada, tanto dentro da empresa, no dia a dia de trabalho, quanto no processo seletivo. Discriminação e preconceitos são coisas frequentes que quem procura emprego passa. 
  • Atualmente eu nem procuro mais emprego que seja muito longe de casa. Cansei de ouvir os entrevistadores reclamarem que eu moro longe, que a empresa não pode pagar o tanto de passagem que eu gasto. Quando eu vejo uma vaga procuro logo saber se é perto de casa, caso contrário já desisto antes mesmo de tentar.
  • Muitas empresas me perguntam se eu tenho filho, quando respondo que sim, perguntam com quem eu penso em deixar a criança, se meu filho ficar doente se eu vou precisar faltar para cuidar dele. Duvido que perguntem tudo isso para um homem. Conheço pessoas que não contam que têm filhos, mas eu fico insegura de não contar.
[Depoimentos de duas pessoas que se sentiram discriminadas ao buscarem emprego]

Todos os exemplos levantados aqui não são difíceis de encontrar, ao contrário, infelizmente são muito comuns. Requisitos imensos e praticamente inalcançáveis (como no caso de vagas de estágio que pedem experiência anterior) mostram o quanto está cada vez mais difícil e exigente para arrumar um emprego em tempos de crise. Cabe aqui uma última reflexão: as empresas (com a desculpa da crise) pagam salários menores, exigem mais formação e experiência, bem como jornadas exaustivas, assim como dupla função e por aí vai. Para os candidatos, resta aceitar as condições impostas, então estamos falando de crise, mas para quem?


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