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| Na Vila Madalena, este seria um design conceitual; na favela, é só mais uma casa sem valor. Foto: Ana Soares |
É um medo do que possa vir a acontecer, em casa de pobre é assim, se não entra água por cima, entra por baixo, pelo ralo, pelo teto, pelo vão da porta, pela janela mal colocada, pelo vidro quebrado. Para quem vai acordar antes do sol aparecer no dia seguinte é praticamente mais uma das tantas noites em claro que a gente passa sofrendo de preocupação "será que vai alagar?", "será que eu vou conseguir pegar o ônibus para ir trabalhar?". O jeito que tem é acordar ainda mais cedo do que o de costume só para não correr o risco de perder o horário, já calculando que as conduções estarão lotadas e levando em consideração que a linha vermelha sempre fica lenta em dias de chuva.
Para o pobre é assim, se não chove, fica aquele ar seco, pesado, todo mundo come poluição, é verdade, mas são os pobres que atravessam a cidade e ficam mais tempo expostos a poluição do trânsito da cidade grande, que enfrentam horas dentro de um transporte lotado. Mas quando chove dá medo do telhado cair, da laje que acumulou água desabar, de alagar a quebrada. Já morei em casa de três cômodos e contei 22 goteiras nela, é mole? Fora o transtorno que causa quando algum móvel estraga porque a gente sabe que foi mó caminhada sofrida para conseguir adquirir, sabe que deixou de comprar uma roupa, uma comida gostosa, deixou de tirar um lazer para ter um móvel dentro de casa aí chove, o móvel fica zoado e a gente é obrigado a ficar com mais uma coisa zoada dentro de casa.
As marcas nas paredes também falam por si só. Parece marcas de lágrimas de um lar pobre que chora diante de tanta injustiça e desigualdade. Dia desses eu vi rolando na internet as fotos das casas de famosos com parede descascada, um pedaço sem reboco, marcas de infiltração; parece que para gente rica isso virou conceito, mas na casa de pobre continua sendo sinônimo de pobreza, desleixo da parte dos moradores em deixar a residência assim. Eu vejo que tudo o que é presente na vida do pobre vira conceito no contexto de pessoas ricas, mas é completamente inferior e ridicularizado quando faz parte da vida de pessoas que não têm condições de viver outra coisa diferente. Que louco isso, não é? Quem tem opção de deixar a parede rebocada e impecável fica desconstruído quando opta por uma coisa tão característica na arquitetura dos lares mais pobres.
Será que essas pessoas desconstruídas também acordam assustadas no meio de uma chuva? Será que elas sentem o desconforto, o desgaste mental, a tristeza que é a perturbação toda vez que chove de ficar imaginando o que pode acontecer e levantando no meio da noite várias vezes para verificar se tem algum cômodo da casa que precisa colocar pano no chão para a água não ficar espalhando? Será que se preocupam em perder algum móvel que foi uma novela para conseguir comprar? Será que se preocupam em a casa ficar feia por mais uma marca de água, mais uma vez estragar a pintura, mais um móvel estragado? Não né? O conceito fica para eles, a preocupação, como sempre, para nós.

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